por André Spitz, presidente do COEP Nacional

foto-213Em 2000, encontrar alguma solução para a convivência com a seca no Nordeste era fundamental para viabilizar um processo de desenvolvimento e melhoria da vida dos moradores da região. Como um primeiro passo, o COEP iniciou um projeto para reintroduzir a cultura do algodão em comunidades rurais do semiárido nordestino. A principal proposta do projeto era gerar renda para agricultores familiares que haviam deixado de plantar algodão devido à crise dos anos 1980. Avanços promovidos pela Embrapa trouxeram novas oportunidades: sementes mais resistentes à seca; novas técnicas de para lidar com a praga do “bicudo” e inovações tecnológicas, como o desenvolvimento de uma usina de descaroçamento e prensa de pequena escala, passível de implementação em comunidades.

A comunidade de Quirino, um assentamento da reforma agrária em Juarez Távora, na Paraíba, foi a primeira selecionada para o início da ação. Numa reunião com a comunidade – em que estavam presentes Gleyse Peiter, secretária executiva do COEP, José Renato Cabral e José Mendes de Araújo da Embrapa, ambos representando também o COEP, o prefeito, o padre, representantes do sindicato rural e da associação de produtores, e outros parceiros – foi acertado a implantação do projeto. A comunidade estava extremamente mobilizada. Depois de tudo acertado e de as primeiras atividades já estarem em curso, a terra do assentamento foi retomada pelo antigo proprietário. Diante do litígio jurídico houve consenso, entre parceiros e comunidade, no sentido de buscarmos outra uma comunidade vizinha para implantação do projeto desenvolvermos a iniciativa.

Implantamos, então, o projeto na comunidade Margarida Maria Alves, no mesmo município de Juarez Távora. Por
coincidência, mas com grande simbolismo, a nova comunidade tinha seu nome como uma homenagem à líder comunitária que foi assassinada em 1983 e que se tornou um símbolo na luta pelos direitos dos trabalhadores rurais no país. A mobilização e o compromisso da comunidade de Margarida provaram ser fundamentais. Os resultados foram animadores e resolvemos ir em frente. Utilizamos como inspiração nossa experiência na criação de incubadoras de cooperativas – em 1994, implantamos a primeira incubadora na Coppe/UFRJ e articulamos a criação de mais seis incubadoras em diferentes estados brasileiros, dando vida ao Proninc- Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares.

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Adotando a mesma estratégia das incubadoras, após a primeira experiência em Margarida, nossa intenção era multiplicar para outras comunidades, de preferência em outros estados, para que cada comunidade pudesse tornar-se uma referência local. Mobilizamos os parceiros da Rede COEP e conseguimos reproduzir a iniciativa em mais 5 cinco comunidades. Instalamos equipamentos de beneficiamento, articulamos nossa rede para viabilizar os projetos, para cumprir a logística do processo, para fazer chegar energia onde não havia rede elétrica. As comunidades estavam localizadas no semiárido da Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Ceará. No Piauí, utilizando a mesma estratégia, trabalhamos com a mamona em mais uma comunidade.

Desde o início, junto com a produção e a comercialização do algodão, eram aspectos fundamentais: o compromisso da comunidade com o projeto, a participação no seu desenvolvimento, o fortalecimento da organização comunitária e das capacidades dos agricultores e agricultoras. Nos anos seguintes, destacaram-se: a mobilização de novos parceiros; a ampliação de escopo e do número de comunidades; a introdução do algodão orgânico e colorido, e o incentivo da rede de parceiros, em especial do ministro de Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende – um entusiasta do projeto, desde nosso primeiro contato ainda como presidente da Finep em 2003 – e do João Paulo Maranhão, um ativista pelo Nordeste, representante da Chesf no COEP.

Em 2003, a iniciativa mobilizou um novo parceiro fundamental: o CNPq, que apoiou o projeto Universidades Cidadãs, possibilitando a professores, pesquisadores e alunos, de uma universidade em cada estado, se envolverem com comunidades do projeto. A troca de conhecimentos entre comunidades e universidades, entre o saber e o fazer, o popular e o acadêmico, foi uma experiência maravilhosa para todos os envolvidos. Todos ganharam muito. Certamente, esta iniciativa contribuiu para a posterior implantação da categoria de bolsa de extensão, que foi criada de forma inovadora pelo CNPq.

Em uma reunião com as comunidades surgiu a demanda de articularmos a instalação de telefones públicos, pois o acesso à comunicação era uma necessidade fundamental para os comunitários. Fomos ao Ministério das Comunicações e apresentamos ao ministro Miro Teixeira o projeto e as demandas das comunidades. O ministro disse que iria encaminhar a demanda às concessionárias, pois o acesso a telefones públicos era um direito das comunidades, mas advertiu que o processo poderia demorar. Por isso, sugeriu outro e inovador caminho. Por que não implantar telecentros comunitários através do programa Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac).

Levamos a novidade para as comunidades. Oferta feita, oferta aceita. Mobilizamos nossos parceiros para providenciar computadores, outros equipamentos e recursos para construir os telecentros. O local seria viabilizado pela comunidade e a construção seria feita pelos comunitários, em regime de mutirão. Esse arranjo foi fundamental para fortalecer o compromisso e a mobilização da comunidade.

Em 2004, instalamos os primeiros telecentros em Quixabeira, no município de Água Branca- AL, em Engenho Velho, no município de Barro – CE, na comunidade de Furnas, em Surubim – PE, na comunidade de Boi Torto, em Bezerros – PE, no Assentamento José Rodrigues Sobrinho, no município de Nova Cruz – RN, e no pioneiro Assentamento Margarida Maria Alves.

 

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Hoje, avaliamos que a introdução dos telecentros foi um marco divisor – antes e depois dos telecentros. A partir daí, as comunidades ficaram mais mobilizadas, as associações se fortaleceram e os comitês mobilizadores – um subgrupo da associação responsável pelo projeto, envolvendo agricultores, mulheres e jovens da comunidade – ganharam mais protagonismo e articulação. Os jovens foram incorporados às estratégias comunitárias, o que deu uma nova dinâmica e integrou a comunidade.

Em 2006, eram mais 20 comunidades, todas com telecentros instalados e várias outras iniciativas além do algodão, tais como: criação de caprinos; cisternas/barragens; bibliotecas e capacitações presenciais, promovidas pelas universidades, e a distância, promovidas por ferramentas desenvolvidas pelo COEP.

Em 2009, eram 47 comunidades, envolvendo mais de 25mil famílias, agora em sete estados – foram incorporadas comunidades em Sergipe – todas com telecentros e com iniciativas que passaram a ser desenvolvidas em cinco eixos: convivência com o Semiárido; geração de trabalho e renda; organização comunitária; meio ambiente e mudanças climáticas; educação e cidadania. Muitas comunidades criaram suas páginas na internet com capacidade para reproduzir vídeos e material fotográfico como meio de divulgação e mobilização.

As comunidades começaram a desenvolver a capacidade de elaborar seus próprios projetos e coube ao COEP apoiá-las na busca de parcerias. Ampliar o debate sobre direitos e o acesso às políticas públicas tem sido uma agenda fundamental nos anos mais recentes. Os mais jovens vêm tendo um papel fundamental nesse processo. Seu interesse pelas tecnologias digitais vem favorecendo a interação e os têm trazido para as discussões e para a vida política da comunidade. Muitos se tornaram membros da associação e até mesmo de sua diretoria.

O desafio agora, que já estamos vivenciando, é cada vez mais transformar as comunidades, com apoio da juventude rural, em protagonistas do processo e da articulação de uma Rede de Comunidades, na qual o COEP será não mais o articulador da iniciativa, e sim um parceiro e apoiador da Rede.

Todos nós, COEP, parceiros e comunidades, vivenciamos essa iniciativa intensamente nesses 15 anos. Muitas conquistas, muito aprendizado coletivo, muitas alegrias compartilhadas, muita pactuação e repactuação, muitas histórias, algumas reproduzidas em imagens de vídeo e fotos feitas por nós e pelas comunidades.

 

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Fotos: Marcelo Valle.